Introdução
A evolução da matriz energética no setor automotivo, com a crescente adoção de veículos elétricos, impõe ao ordenamento jurídico e técnico uma necessária atualização das normas de segurança contra incêndio e pânico. Neste contexto, a publicação da Diretriz Nacional sobre Ocupações Destinadas a Garagens e Locais com Sistemas de Alimentação de Veículos Elétricos (SAVE), em 26 de agosto de 2025, pelo Conselho Nacional de Comandantes-Gerais dos Corpos de Bombeiros Militares (Ligabom/CNCGBM), representa um marco regulatório de inafastável observância.
O presente artigo tem por escopo realizar uma análise sistemática e objetiva da referida diretriz, detalhando sua natureza jurídica, seus conceitos fundamentais, os protocolos de conformidade e as graves implicações decorrentes de sua inobservância para a gestão de condomínios edilícios.
1. Da Natureza Jurídica, Validade e Vigência da Diretriz
A Diretriz Nacional SAVE classifica-se como uma norma administrativa de caráter técnico e vinculante. Emanada de um conselho nacional, sua função é estabelecer um paradigma mínimo de segurança que deverá ser internalizado por todos os Corpos de Bombeiros Militares das unidades federativas.
-
Validade e Força Normativa: A diretriz não revoga as normas estaduais existentes de imediato, mas opera como uma norma de superveniência, compelindo os órgãos estaduais a revisarem e adequarem suas respectivas Instruções Técnicas (ITs) ou Normas Técnicas (NTs). Uma vez que o Corpo de Bombeiros local publique sua norma técnica atualizada, esta passará a ter plena eficácia e poder de polícia administrativa, tornando suas exigências fiscalizáveis e obrigatórias.
-
Vigência e Vacatio Legis: A diretriz estabelece um prazo de vacatio legis de 180 dias. Este período destina-se não apenas à adaptação dos regulamentos estaduais, mas também concede aos administradores de edificações um prazo para diagnóstico, planejamento e início dos processos de adequação.
2. Conceitos Fundamentais e Escopo de Aplicação da Norma
A correta interpretação da diretriz exige a compreensão de seus conceitos basilares.
-
SAVE (Sistemas de Alimentação de Veículos Elétricos): O termo abrange toda a infraestrutura destinada à recarga, desde a tomada ou o carregador de parede (wallbox) até os quadros elétricos e circuitos dedicados.
-
Escopo de Aplicação: A norma se aplica a toda e qualquer ocupação destinada a garagem, seja em edificações novas ou existentes, que abrigue, ainda que unitariamente, um ponto de SAVE. A mera existência de um carregador é o fato gerador para a incidência das obrigações nela contidas.
-
Objeto de Proteção: Conforme o texto normativo, o bem jurídico tutelado é, prioritariamente, "a vida dos ocupantes das edificações e áreas de risco". Tal premissa eleva o dever de adequação ao patamar de obrigação de segurança e dever de cuidado do síndico.
3. Protocolo de Conformidade para Edificações Existentes (Capítulo VI)
Para os condomínios que já possuem infraestrutura de recarga, o Capítulo VI da diretriz estabelece um processo mandatório de adequação (retrofit). A inação configura infração administrativa e omissão culposa. O passo a passo para a conformidade é o seguinte:
-
Diagnóstico Preliminar e Verificação da Exceção:
-
A primeira e mais crucial diligência é a verificação da existência de um sistema de chuveiros automáticos. Conforme o texto, "se já houver sistema de chuveiros automáticos do tipo ordinário I nas áreas de garagem, não haverá necessidade de adaptação" neste quesito específico. Um laudo de engenharia deve atestar esta condição.
-
-
Implementação de Medidas de Segurança Ativa:
-
Sistema de Detecção de Incêndio: É exigida a instalação de detectores de fumaça e/ou temperatura na área da garagem, interligados à central de alarme da edificação. O objetivo é garantir o alerta precoce aos ocupantes e à brigada de incêndio.
-
Sistema de Chuveiros Automáticos (Sprinklers): Na ausência da exceção mencionada, torna-se obrigatória a instalação de uma malha de sprinklers, cuja tubulação deve ser interligada ao sistema de hidrantes existente, garantindo o combate inicial e o controle do sinistro.
-
-
Implementação de Medidas Gerenciais e de Instalação:
-
Conformidade das Instalações Elétricas: A diretriz reitera a obrigatoriedade de total aderência às normas técnicas da ABNT, notadamente a NBR 5410 e a NBR 17019. Um laudo técnico emitido por engenheiro eletricista é o documento hábil para comprovar tal conformidade.
-
Plano de Gerenciamento de Riscos: Exige-se a elaboração de um documento formal que contemple a análise dos riscos específicos, a definição de procedimentos de emergência, a sinalização de segurança apropriada e o treinamento periódico da brigada de incêndio para atuar em ocorrências envolvendo veículos elétricos.
-
4. Prescrições para Novas Edificações e Futuras Instalações
Para edificações a serem construídas ou para condomínios que venham a instalar seu primeiro SAVE após a vigência da norma, as exigências devem ser contempladas desde a fase de projeto.
-
Concepção Integrada do Projeto: O projeto de instalação do SAVE deve ser concebido de forma integrada ao projeto de segurança contra incêndio e pânico da edificação.
-
Requisitos Mandatórios Cumulativos: Além de todas as exigências listadas para edificações existentes (sprinklers e detecção), as novas instalações deverão, obrigatoriamente, incluir um sistema de extração mecânica de fumaça, projetado para garantir a ventilação do ambiente e a remoção de gases tóxicos em caso de incêndio na bateria de um veículo.
5. Das Implicações Jurídicas da Inobservância
A omissão do síndico e do condomínio em promover as adequações exigidas pela diretriz acarreta gravíssimos riscos, que se desdobram em três esferas de responsabilidade:
-
5.1. Responsabilidade Administrativa: Sujeita o condomínio a sanções impostas pelo Corpo de Bombeiros, que podem variar desde advertências e multas pecuniárias até a interdição da garagem e a não renovação ou cassação do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB), tornando a edificação irregular.
-
5.2. Responsabilidade Civil: Em caso de sinistro (incêndio, explosão) com danos materiais ou corporais a condôminos ou a terceiros, a inobservância da norma caracterizará a culpa por omissão. O condomínio e o síndico pessoalmente poderão ser condenados a indenizar integralmente todos os prejuízos, com base nos artigos 186 e 927 do Código Civil.
-
5.3. Responsabilidade Criminal: Na hipótese de um sinistro resultar em feridos ou mortos, o síndico poderá ser pessoalmente responsabilizado na esfera criminal por crimes como lesão corporal culposa ou homicídio culposo (Art. 121, § 3º e Art. 129, § 6º do Código Penal), quando comprovado que sua omissão em seguir as normas de segurança foi determinante para o resultado.
Conclusão
A Diretriz Nacional SAVE inaugura um novo paradigma de segurança e conformidade legal. Sua implementação, ainda que complexa e de impacto financeiro relevante, não é uma faculdade, mas um dever legal imposto ao gestor condominial. A adequação planejada e tecnicamente assistida é o único caminho para a mitigação de riscos e para a blindagem jurídica, civil e criminal do síndico e da coletividade condominial.
Dada a densidade técnica e a gravidade das implicações legais da nova diretriz, uma análise pormenorizada para cada caso concreto é indispensável. Para um aprofundamento sobre a aplicação da Diretriz Nacional SAVE ao seu condomínio ou para a elaboração de um parecer técnico-jurídico, entre em contato.
Geison Monteiro de Oliveira
Advogado e Especialista em Direito Condominial