As regras internas de um condomínio, como o uso de áreas comuns, normas para reformas ou a permissão de animais, nem sempre resistem ao tempo. Com as novas dinâmicas sociais e tecnologias, surgem questões que os documentos antigos jamais previram: home office, locações por temporada como Airbnb, instalação de carregadores para carros elétricos, entre outras.
Quando a realidade muda, a necessidade de atualizar a "constituição" do condomínio se torna urgente. Mas como fazer isso de forma correta, segura e sem o risco de ter todo o trabalho anulado?
A resposta está em seguir um processo estratégico e juridicamente blindado. Este guia é o seu passo a passo definitivo.
O Que a Lei Exige: Entendendo os Quóruns
A convenção de condomínio é o documento que estabelece as normas de convivência, direitos e deveres de todos. Segundo o Código Civil, ela pode, sim, ser modificada, mas a lei exige um número mínimo de votos para garantir que a mudança represente a vontade da maioria.
Este é o ponto mais crítico do processo:
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Quórum para Alteração Geral: A aprovação exige os votos de, no mínimo, 2/3 (dois terços) de TODOS os condôminos.
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Ponto de Atenção: Este percentual não se refere aos presentes na assembleia, mas ao total de proprietários do edifício. Este é o maior desafio para os síndicos e a principal causa de insucesso em tentativas de atualização.
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Quórum para Mudança de Destinação: Se a alteração pretendida envolver a destinação das unidades — como transformar um prédio residencial em comercial, por exemplo — a exigência é ainda maior: aprovação por UNANIMIDADE (100%) dos condôminos.
O Plano de Ação do Síndico Blindado: O Passo a Passo sem Erros
Alterar a convenção é um projeto complexo que exige mais do que apenas marcar uma reunião. Siga estas etapas para garantir o sucesso e a segurança jurídica do processo.
Passo 1: Diagnóstico e Preparação (A Estratégia) Antes de qualquer convocação, faça o dever de casa. Identifique claramente quais artigos da convenção estão desatualizados ou quais novas regras precisam ser inseridas. O ideal é contar com uma assessoria jurídica para redigir o novo texto de forma clara e em conformidade com a legislação atual, evitando brechas.
Passo 2: Comunicação e Engajamento (A "Venda" da Ideia) Não espere até o dia da assembleia para apresentar as mudanças. Um processo de alteração bem-sucedido começa com uma boa comunicação prévia.
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Crie um resumo explicativo das principais mudanças e seus benefícios.
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Use os canais de comunicação do condomínio (grupos, e-mails, murais) para educar os moradores sobre a importância da atualização.
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Alinhe as expectativas e mostre como a modernização valorizará o patrimônio de todos.
Passo 3: A Convocação Correta da Assembleia (AGE) Este passo é crucial para a blindagem do processo. Uma convocação feita de forma errada pode anular toda a assembleia.
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Siga rigorosamente as regras para convocação de uma Assembleia Geral Extraordinária (AGE) previstas na sua convenção vigente (prazos, forma de envio, etc.).
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O edital de convocação deve ser explícito, informando claramente que a pauta é a "Proposta de Alteração da Convenção Condominial". Se possível, anexe a minuta com o texto proposto.
Passo 4: A Condução da Assembleia e a Solução para o Quórum No dia da assembleia, explique novamente cada ponto da mudança. Aqui entra uma ferramenta poderosa para lidar com a dificuldade de atingir o quórum de 2/3:
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A Sessão Permanente: Caso o quórum não seja atingido na primeira chamada, a Lei 14.309/22 permite que a assembleia não seja encerrada, mas sim declarada em "sessão permanente". Isso permite que os votos dos presentes sejam registrados e que a votação continue aberta por até 90 dias, possibilitando a coleta dos votos dos ausentes por outros meios (como uma lista de votos na portaria ou votação eletrônica, se previsto). Esta é a melhor estratégia para viabilizar uma alteração que, de outra forma, seria quase impossível.
Passo 5: A Ata e o Registro Final (A Formalização)
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A ata da assembleia deve ser redigida de forma detalhada, listando os artigos alterados e o placar exato da votação para comprovar o quórum.
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Atenção: A alteração da convenção só passa a ter validade legal perante terceiros (bancos, justiça, etc.) após ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis competente. Este é o passo final que blinda juridicamente todo o processo.
Conclusão: Um Ato de Liderança
Alterar a convenção não deve ser tratado como simples burocracia, mas como uma decisão estratégica que afeta a vida, a segurança e o patrimônio de todos. É um processo que exige planejamento, comunicação e rigor técnico. Ao liderar essa modernização de forma organizada e segura, o síndico não apenas atualiza as regras, mas reafirma sua posição como um gestor diligente e preparado para o futuro.
Precisa de Ajuda para Liderar essa Mudança?
Atualizar a convenção é um dos maiores, mas também um dos mais importantes, atos de uma gestão condominial. É um processo que exige conhecimento técnico, planejamento estratégico e habilidade de comunicação para garantir o sucesso e a segurança jurídica.
Lembre-se: uma convenção moderna e clara é a principal ferramenta para uma gestão tranquila e um condomínio valorizado.
Por isso, se você, síndico, sente que precisa de um apoio especializado para guiar seu condomínio neste processo de atualização ou para discutir outras estratégias de blindagem para a sua gestão, conte comigo.
Autor Geison Monteiro
Advogado